Mais um conto aqui no Blog, agora feito por uma estudante!
A Daisy Soares é uma das várias pessoas talentosas que conheci em minha vida. Além de uma entusiasta da Astronomia, é uma excelente escritora! Vejam o talento dela no conto a seguir!
Já
havia, diversas vezes, pego numa arma. Mas era diferente. Aquelas armas de fogo
pequenas do século passado, pertencentes ao meu falecido avô, Nicholas. Todos
os finais de semana eu ia, extasiado, passar o domingo junto dele, onde pela
tarde descíamos próximo a cerca que delimitava um pequeno bosque, e passávamos
o tempo matando andorinhas com chumbo.
Em
combate, estorvo minhas lembranças da infância quando disparo bala contra um possível
inimigo, que chega a arregalar os olhos quando é abatido pelo calibre 32.
Havia
finalmente tomado um rumo em minha vida. Iria me casar com Amélie, uma linda
moça, filha de comerciantes. Passei a morar na belíssima Paris, cidade pela
qual sonhava em residir desde garoto – e que provavelmente encontra-se
devastada pelos soldados alemães. Imagino como seria meu matrimonio feliz, e a
decepção das viúvas de meus ex-companheiros de trincheiras.
Está
tudo úmido e lamacento. Escuto minas explodirem e arrancarem ou uma perna, ou
uma vida de alguém. Logo, desejo poder respirar. Respirar com a mesma convicção
que tive quando me decidi lutar, entregando minha vida aos políticos e
militares que agora usam como peça do seu grande tabuleiro dos horrores.
O
som vindo dos ratos miseráveis, que se alimentam da perna apodrecida de um
aliado morto em combate, me enoja. Penso em atirar na direção deles a fim de se
afastarem, porém não desejo mais tirar a vida de ninguém, nem de uma criatura
sequer, ao pressionar o gatilho. Um companheiro, George, está agora próximo ao
arame farpado, coberto de poeira e sangue, utilizando uma metralhadora para
abater inimigos que se encontram a alguns metros da terra de ninguém.
Brevemente muda-se o turno, e eu irei passar pela agonia de estar no alvo de
soldados alemães.
Volto
a me recordar de minha infância. Do meu avô ensinando-me a segurar aquela arma
de fogo com força, para não escapar de minhas mãos; da vovó nos chamando por
meio de gritos, avisando que o bolo acabara de sair do forno.
Munições.
Foi isso que saiu do forno. Chegaram agora. Junto a máscaras de gás, pois ouvi
falarem sobre um tal gás que faz qualquer um vomitar o próprio pulmão. Foi nos
dado a ordem de não desgrudar dela, pois ataques de gás eram imprevisíveis.
Nunca
esperei que chegaria em casa como um herói da nação, ou com méritos honrosos.
Prefiro morrer, e acabo imaginado a reação de minha Amélie ao receber a notícia
sobre minha morte em combate. Os elogios dados sobre minhas ações perante a
pátria. A palidez de preocupação que cobriria o rosto de minha mãe, que ficou
aos prantos quando soube que seu filho iria ser enviado à guerra. As histórias
que ouço, as imagens que vejo e os momentos que presencio, me atormentariam
pela vida toda, como um fantasma. Então prefiro encarar a morte como uma velha
amiga, que nos cobre e nos trucida com um beijo de boa noite. Preciso resistir.
Levanto-me
e ajeito ligeiramente meus sapatos, cheios de lama e com algumas minhocas.
Coloco o rifle nas costas e vou em direção a uma escada improvisada, 7 ou 8
degraus cavados que cada vez que passa, fica mais escorregadia devido ao
lamaceiro. Já é de manhã, e o tiroteio cessou. Troco de posição com George,
exausto, e atingido de raspão no ombro esquerdo.
Tudo
se acalma por um momento, e me entrego novamente aos momentos nostálgicos,
enquanto a chuva, fina e fria, daquelas que estão prestes a virar neve, cai
sobre os corpos finados, anunciando a proximidade do inverno.
Inverno.
Vovó fazia chá quente enquanto eu me espreguiçava nos cobertores de lã, ouvindo
velhas histórias aventurosas da juventude de meu avô.
Ouço
o som de uma explosão, sem mais nem menos, acordando-me do devaneio. Granadas
foram disparadas. O cheiro de carne queimada aflige-me de um jeito tão brutal
quanto seu próprio efeito. Homens correm e se protegem em meio a fumaça, e vejo
o corpo de George jogado ao chão. Ele foi atingido, e provavelmente não dará
para salvá-lo. E nem para lamentar pela sua morte.
Soldados
ao fundo gritam desesperados, comandando ou montando algum estratagema. Sou
puxando com força por um homem, e rolamos trincheira a baixo. Durante a noite,
a tropa alemã buscou reforços, e agora vieram com tudo. Com tudo para acabar
conosco.
A
única coisa que observo é algum tipo de gás sendo jogado em nossa direção.
Busco a máscara de gás e a puxo o rifle próximo a George, agora falecido.
Atiro. Sem pensar para qual lado ou para quem, apenas atiro. E perco o ar
quando percebo o furo na máscara sabotada pelos alemães.
Os
sons, somem. As imagens, embaçam. Só vejo o sol se abrindo, como um esplendor dia
de verão - como um dia qualquer com meu avô.
“Mate
as andorinhas, Pierre! Atire!”. Deixarei de ser uma peça no tabuleiro. Eu sou
uma andorinha agora.
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